Racismos

 

Por Wilson Gomes, professor da UFBA

 

Racismo é um tipo de preconceito social que, supondo que os humanos se dividem em raça, como outros bichos, considera que pelo menos uma delas é composta por humanos inferiores. Me parece banal, não? Acho que esta é mais ou menos a compreensão comum de racismo. E bem sensata.

 

Os identitários e os complacentes que os cercam tomaram há alguns anos a decisão de que, não, racismo não era mais isso. E criaram um conceito alternativo com dois objetivos: dar uma excludente de ilicitude para membros de certos grupos e atribuir o monopólio do racismo a outro grupo.

 

Há alguns dias pedi que me dessem um fundamento racional para o dogma segundo o qual é impossível a qualquer outro grupo, exceto os brancos, ser racista e agir com racismo. Em suma, pedi que conceito de racismo é esse em que só um tipo de humano pode praticar e o outro, sofrer.

 

Sem respostas. Citaram uma interpretação da lei brasileira, mas eu não perguntei sobre lei e sim sobre conceito. As mais reiteradas evidências que me deram não diziam respeito ao conceito, mas à "frequência". Como é muito mais frequente que brancos sejam racistas, o racismo é branco.

 

Desculpem, mas frequência não cria conceitos. Quase todos os cisnes são brancos, mas basta que alguém apresente um caso de cisne negro e a definição de cisne como "ave aquática graciosa e de plumas brancas" tem que ser abandonada. Não era uma lei, mas o registro da frequência.

 

Basta um único caso de racismo cujo vetor vá de uma pessoa não branca para o membro de outro grupo racial para que a tese de que "só brancos podem ser racistas" tenha que ser abandonada. Isso é honestidade empírica e conceitual. Acontece que não.

 

Reclama-se que são "fatos isolados" ou "fenômenos extremamente raros" e que isso não teria o condão de derrubar uma definição. Mas tem, sim. Cisnes negros também são fenômenos extremamente raros, mas isso não torna "todos os cisnes são brancos" uma proposição aceitável.

 

Como se trata de um fenômeno sociológico, manter uma definição falsa pode ter o curioso efeito de tornar cada vez menos e raro esse tipo de racismo. Ao dizer a um grupo "faça o que fizer, você não pode ser acusado de racismo" estou dizendo "sinta-se socialmente autorizado".

 

Por isso, os exemplos se multiplicam, uma vez que a complacência não apenas corre para justificar, explicar, mitigar, racionalizar, como, no fundo, oferece salvo-condutos e concede indulgências plenária para pecados futuros. A complacência é, sim, corresponsável pelos abusos.

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