Falsa simetria

 Por Leandro Ruschel




Supremo adota práticas da Lava Jato, denuncia a Folha. O jornal só falha em apresentar as gritantes diferenças




Em longa matéria da Folha, há uma exposição de práticas da Lava Jato que estão sendo copiadas pelo Supremo na perseguição à direita brasileira, mesmo após ministros terem anulado processos por conta dessas práticas, e terem chegado ao ponto de chamá-las de "tortura".




Entre os procedimentos, estão longas prisões preventivas mantidas por fatos pretéritos, até que o réu confesse e faça delação premiada, o abuso de buscas e apreensões, a centralização das decisões num único magistrado, e fishing expeditions, entre outros.




A Lava Jato investigou o maior esquema de corrupção da história, que fez históricos corruptos parecerem amadores pela extensão dos escândalos. Mais do que isso, a operação trouxe a esperança de refundação do país, marcado pelo domínio de uma elite política profundamente corrupta.




No caso dos atuais inquéritos supremos, o que ocorre é justamente a supressão dessa revolta. É basicamente um processo de perseguição política contra conservadores, que lideraram os protestos pela saída do PT da presidência e elegeram o primeiro presidente anti-socialista desde a redemocratização. Muita gente que orbitou desde sempre o establishment saiu perdendo, incluindo aí a "imprensa".




Diferentemente do que ocorreu durante a Lava Jato, em que os réus tinham quatro instâncias recursais, nos processos supremos não há a quem recorrer, pois se trata da última instância do Judiciário.




Não podemos esquecer que o ovo da serpente, o Inquérito das "Fake News", foi aberto através de uma interpretação esdrúxula do Regime Interno do Supremo, que autoriza tal procedimento apenas em caso de crime ocorrido nas dependências do tribunal.




Aberto o procedimento, ao invés de ser sorteado um relator, houve a indicação direta pelo presidente da corte.




O Ministério Público foi contra, pedindo imediatamente o arquivamento do inquérito, o que foi negado de plano. A então procuradora-geral Raquel Dodge chegou a comparar o procedimento a um "tribunal de exceção", já que os ministros ocupariam a posição de vítimas de "fake news", investigadores, acusadores e julgadores, ao mesmo tempo. O senador Randolfe Rodrigues chegou a pedir impeachment de ministros à época, e disse que o procedimento remontava à Lei de Talião. Depois, quando percebeu a chance de perseguir seus opositores, abraçou o procedimento com todas as forças.



Durante esses anos, várias buscas e apreensões e prisões aconteceram contra posição do Ministério Público, o que nunca ocorreu na Lava Jato. Na prática, um grupo da PF responde diretamente ao ministro relator, e tem pedidos de medidas extremas quase sempre atendidos.




Advogados dos réus afiram que até hoje não tiveram acesso integral aos autos, que são físicos e podem ser acessados apenas em visitas presenciais ao Supremo.




Não podemos esquecer os dois primeiros atos dos inquéritos foram a anulação de um procedimento investigatório na Receita contra ministros e outras autoridades, além da censura a uma revista que trazia revelação do Marcelo Odebrecht sobre o "amigo do amigo do meu pai".




Até aquele momento, a imprensa era crítica da investigação. Mas quando o Supremo mirou o inquérito na chamada "milícia digital bolsonarista", houve um giro de 180 graus. Diferentes setores do poder viram uma oportunidade para defenestrar opositores e "voltar à cena do crime", como disse Geraldo Alckmin durante a campanha eleitoral em que fingiu ser oposição.




Hoje, depois da anulação de quase todos os processos dos réus condenados por corrupção na Lava Jato, o país vive um clima de Alemanha Oriental. Não há mais liberdade de expressão, ou devido processo legal. Pessoas são censuradas e presas por opinião, ou pela sua inclinação política. Ao mesmo tempo, os alinhados ao establishment são protegidos pelos tribunais.




A Lava Jato representou a esperança de um novo Brasil. A operação contra a Lava Jato e a perseguição aos que ousaram questionar o eterno establishment corrupto brasileiro representa o pesadelo da vitória do mal, sem possibilidade de mudanças à vista.

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