Capitalismo

Abaixo, trechos da fantástica entrevista do historiador Rainer Zitelmann, veiculada no Estadão.

E: O sr. afirma que o capitalismo não é o problema, é a solução. O que o leva a dizer isso de forma tão categórica?

RZ: Vou lhe dar só um dado, mas posso lhe dar outros. Há 200 anos, por volta de 1820, antes do capitalismo, 90% da população mundial viviam na pobreza extrema. Hoje, são menos de 10%. Mais da metade da queda se deu nos últimos 35 anos. Veja o que aconteceu na China. No fim dos anos 1950, 45 milhões de pessoas morreram como resultado do chamado “Grande Salto para a Frente” empreendido por Mao Tsé-Tung. Em 1981, cinco anos depois da morte de Mao, 88% da população chinesa ainda viviam em extrema pobreza. Foi mais ou menos quando eles começaram a introduzir a propriedade privada e as reformas pró-mercado no país. Hoje, menos de 1% estão nesta situação. Isso nunca aconteceu na história. Nunca tantas pessoas saíram do estado de extrema pobreza em tão pouco tempo como resultado de reformas pró-mercado.


E: O anticapitalismo parece ter um grande apelo em setores influentes da sociedade e um espaço imenso no debate. Até que ponto isso também ajuda a entender a reabilitação das ideias socialistas?


RZ: Os defensores do livre mercado perderam a guerra das ideias, a guerra ideológica. Os inimigos do capitalismo são muito mais fortes na comunicação. As pessoas que deveriam defender o capitalismo, como os empreendedores, não fazem isso. Os socialistas comparam o capitalismo real com a utopia de uma sociedade perfeita. Isso seria o equivalente a comparar o casamento de alguém não com o de outras pessoas, mas com um casamento ideal do qual se fala em algum livro. Não é justo. Se a gente comparar o nosso casamento com os de nossos amigos, talvez ele não seja tão ruim quanto pode parecer. Eu sou um historiador. Levo em conta os fatos históricos. No meu livro, não falo sobre teorias, mas de fatos, evidências. Comparo o capitalismo com o que é possível comparar, com exemplos concretos da história: Chile X Venezuela, Coréia do Sul X Coreia do Norte, Suécia nos anos 1970 X Suécia depois, o Reino Unido antes e depois da (Margaret) Thatcher. Quando você fala dos problemas que existiam na União Soviética e em outros países comunistas, eles dizem: “Nós não queremos nada parecido com o que foi a União Soviética ou a Alemanha Oriental. Queremos algo diferente, queremos socialismo de verdade”. Os socialistas tentaram de tudo. Tentaram um modelo na China diferente da União Soviética, um modelo na Iugoslávia diferente da Romênia, e assim por diante. Quando os regimes fracassam, eles não entendem que a ideia é que estava errada e não a forma como o socialismo foi implementado.


E: No livro, o sr. fala sobre o sentimento anticapitalista de intelectuais e acadêmicos. Em sua visão, por que eles criticam tanto o capitalismo?


RZ: Este é o meu capítulo preferido. É meio complicado, mas vou tentar explicar brevemente. Eu venho de uma família de background acadêmico. Então, estou à vontade para falar do assunto. Na visão acadêmica, quanto mais livros você lê, quanto mais conceituados são seus diplomas universitários, mais do alto você olha para as pessoas e para um homem de negócios que não leu tantos livros. Muitos intelectuais veem, talvez, que aquele vizinho pobre, que talvez fosse um mau aluno na escola e que não leu tantos livros quanto eles, hoje tem um negócio próprio ou uma franquia do McDonald’s e ganha mais dinheiro do que eles. Tem um carro melhor e uma casa maior. Isso para eles é uma prova de que o mercado falhou, porque se o mercado estivesse certo eles é que deveriam estar nesta posição. Fiz dezenas de entrevistas com os super-ricos, para um livro que escrevi sobre o tema, e me dei conta de que há o aprendizado implícito e o explícito. O aprendizado ou conhecimento implícito é o que podemos chamar de “escola da vida” ou intuição. É um jeito diferente de aprender. O aprendizado explícito é aquele baseado nos livros e no aprendizado acadêmico. Os intelectuais não entendem como funciona o aprendizado implícito. Acham que são superiores aos empreendedores, porque têm diplomas universitários ou a sabedoria dos livros e eles, não. Outro ponto importante é que, em geral, os intelectuais pensam em teorias e escrevem sobre teorias. Para o capitalismo, você não precisa de tanta teoria. É tudo desenvolvido de forma mais espontânea e não de acordo com um plano. Lênin disse que o movimento dos trabalhadores não viria das teorias socialistas e que os intelectuais é que tinham de levar o socialismo para os trabalhadores. Os intelectuais têm um papel no socialismo que não têm no capitalismo.


E: O sr. diz que após a queda do comunismo o pensamento anticapitalista adquiriu novas formas de expressão. A que formas exatamente o sr. se refere?


RZ: A mais importante é a defesa da ecologia e a luta contra a mudança climática. Eu não faço parte dos grupos que dizem que a mudança climática é uma mentira. Eu acredito que se trata de um problema real. Mas, para muitos dos que levantam essa bandeira, a questão ambiental não é o grande problema. Para eles, o inimigo é o mesmo, o capitalismo. Se fossem falar sobre fome e pobreza, não teriam argumentos, porque está claro que o capitalismo melhorou a vida das pessoas. Então, mudaram de foco. Outro dia li um livro da economista anticapitalista Naomi Klein. O título era Capitalismo vs. Mudança Climática. No prefácio, ela diz que não se importa tanto com a mudança climática, mas que é uma ferramenta muito importante na luta contra o capitalismo. Ao ler o livro, você vê que as ideias dela são totalmente anticapitalistas, contra o livre mercado e em defesa da economia planificada. Essas pessoas dizem que o que causa o problema ambiental é o capitalismo. Mas, se você pegar o Índice de Performance Ambiental, da Universidade Yale, e compará-lo com o Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, verá que os países mais livres são os que têm os melhores resultados ambientais. Em relação ao PIB, as emissões de carbono da Alemanha Oriental eram 3 vezes maiores do que as da Alemanha Ocidental. Não havia nenhum país com piores índices ambientais do que a União Soviética.

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