Ignorância

Por Gustavo Bertoche


Hoje lembrei-me de um companheiro de magistério. Fui seu colega por alguns anos em uma rede de escolas particulares no Rio de Janeiro.

É doutor na sua área de formação.
 
Um dia confessou-me jamais haver lido um livro sequer de literatura em língua portuguesa.

"Mas como? Nem Machado, nem José de Alencar, nem Lima Barreto? Não leu nada da nossa literatura na escola?", perguntei.

"Não. Na escola passaram aos alunos resumos de livros desses autores".

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Sem a literatura, sem a aquisição dos planos hermenêuticos que constituem a matéria das palavras e das expressões da língua, sem a compreensão dos campos simbólicos em que se manifestam esses planos hermenêuticos das palavras, não podemos acessar a riqueza do real; ela ali está, diante de nós - todavia, por não termos a linguagem necessária para percebê-la, seguimos pobres, pobres de mundo.

E sem o entendimento dos arquétipos - manifestos na literatura - sobre os quais os roteiros da nossa vida e das nossas instituições se inscrevem, sem a capacidade da suspensão dos nossos valores e das nossas crenças, é impossível refletirmos criticamente sobre as questões do nosso tempo, da nossa sociedade, da nossa vida: adotamos diante do mundo uma atitude ingênua, tanto mais arraigada quanto mais pueril.
 
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Aqui chegamos: professores doutores incultos, com o conhecimento restrito aos estudos em sua área de pesquisa, sem a capacidade de perceber a natureza dos campos simbólicos pelos quais passa a sua linguagem, sem a menor compreensão das narrativas mitológicas que regem o seu pensamento - na ciência, na política, na sua vida pessoal.
 
Professores, todavia, dotados da autoridade acadêmica que um doutorado proporciona - e, por conseguinte, freqüentemente convidados a opinar publicamente sobre assuntos sociais, políticos, culturais a respeito dos quais possuem idéias vulgares e irrefletidas.

O que fazer, amigos, quando parte significativa da elite intelectual de um país é iletrada, ignorante, bruta?

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