Teoria e prática



Por Horacio Neiva





O debate sobre a natureza política das Cortes Constitucionais era, via de regra, o debate de saber se a decisão de declarar a inconstitucionalidade de uma lei era ou não uma decisão política.

Era essa a posição de Kelsen, por exemplo. Para ele, quando exercem controle de constitucionalidade, os tribunais participam do processo legislativo e exercem uma função política.

Essa não é a visão majoritária do debate americano. Para eles, o judicial review, inerente à ideia de que a Constituição é parte do sistema jurídico e que deve ser aplicada, é um ato submetido - em maior ou menor escala, a depender de sua posição teórica - ao direito.

O famoso argumento do "fórum de princípio" de Dworkin insere-se aqui. Para ele, as Cortes Constitucionais são o espaço adequado para a discussão de princípios, mas não de políticas. E é essa capacidade privilegiada de formar e discutir argumentos fundados em princípios o que legitima, jurídica e politicamente, o controle de constitucionalidade.

Falar da relação entre tribunais constitucionais e política, portanto, envolvia enfrentar alguma dessas questões (ou outras, relacionadas a essas).

Quando olhamos para o Supremo em 2023, essas discussões parecem os "puzzles for the cupboard, to be taken down on rainy days for fun" de que falava Dworkin.

Discutir a relação entre o Supremo e a política, hoje, é discutir:

- Ministros opinando sobre estruturação e divisão de Ministérios; 

- Ministros com relações próximas e inconfessáveis com jornalistas, utilizadas para enviar mensagens, passar recados e comentários em off que nunca podem ser confirmados (mas que jamais são negados); 

- Negociações de pautas do Executivo feitas com participação - e negociação - de Ministros da Corte, sem que saibamos os termos em que são feitas; 

- Lobby de Ministros do Supremo por candidatos à Corte, à PGR e a cargos que não sabemos quais são;

- Declarações de Ministros contra Senadores e ameaças de derrubar emendas a constituição que sequer chegaram ao Tribuna; 

- Entrevistas coletivas, comentários na imprensa (off e on the record), declarações todos os dias sobre pautas tipicamente de governo (meio ambiente, agenda econômica, políticas públicas etc.).; 

- Normalização, na imprensa (e entre os Ministros), de falas que consideram que negociar com o Supremo é parte normal e esperada das atividades do Presidente da República.

A natureza política do Supremo não é a natureza política discutida pelos teóricos do direito e da constituição. É uma nova natureza política: de um ator do jogo político ordinário, que faz parte das negociações de cargos e políticas públicas, mas que (1) não estão sujeitos ao escrutínios democráticos e que, ao contrário dos demais atores com quem negociam, (2) não podem ser responsabilizados politicamente.

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