Brasil Kafkiano, e não Orwelliano



Por Paulo Cursino





Paremos de citar "1984". Cansou. O Brasil já saiu há muito do Orwelliano e caiu de cabeça no Kafkiano. Orwell foi ingênuo, não precisamos de uma sociedade distópica para vivermos em um inferno. Kafka foi direto ao ponto: basta que a justiça de uma sociedade se degenere para que cheguemos à distopia.

Muita gente acha que o maior problema do protagonista de "O Processo" é o fato de ele não ter cometido crime algum. Porque o processo do qual ele é vítima segue leis próprias, totalmente arbitrárias, para as quais não adiantam argumentos ou lógica. Um homem submetido ao poder de um tribunal infenso à realidade dos fatos em um mundo onde a racionalidade pode pouco.

Hoje entendi que o processo é o que menos conta na história. O que assusta no romance mais famoso de Kafka é a normalização do erro, a aceitação geral de uma justiça que funciona com regras obscuras, da tentativa de todo mundo tentar compreender e explicar o que não tem sentido ou explicação. O pesadelo ali não é o labirinto jurídico, mas um mundo que o aceita de forma relativamente tranquila, para que a vida siga, porque, afinal, a sociedade tem que continuar funcionando.

Sempre achei rasas as temáticas repetitivas de escritores que falavam da loucura do seu tempo, porque, ora, a história e o mundo nunca me pareceram lá muito normais e jamais serão por completo. Por isto sempre achei um caminho fácil culpar a loucura da própria época e escrever sobre isso. Foi arrogância de minha parte, admito. De fato, há tempos que são mais loucos dos que os outros.

Josef K se sentiria em casa no Brasil de hoje.

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