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Mostrando postagens de 2019

Paciência

"Tenha paciência com tudo, especialmente com você mesmo. Não perca a coragem quando refletir sobre as suas próprias imperfeições, mas trate de remediá-las imediatamente, renovando essa tarefa todos os dias." São Francisco de Sales

O princípio da presunção de inocência

Diante do cenário conturbado que se avoluma, permiti-me estabelecer algumas reflexões (jurídicas) sobre a questão fulcral do momento: o princípio da presunção de inocência.  Em se tratando de princípio (e não de regra), insculpido no Art. 5º, LVII da Constituição Federal, a presunção de inocência quer significar,  ipsis litteris , que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Em outras palavras, o constituinte de 1988 estatuiu, numa hermenêutica gramatical, que a formação de culpa, na esfera criminal, somente ocorrerá se houver o esgotamento de todas as instâncias jurisdicionais. No entanto, a doutrina constitucionalista mais sólida entende que não se pode interpretar o texto constitucional tomando seus termos individualmente e gramaticalmente. O texto constitucional é uno e formalmente superior aos demais. Logo, deve ser considerado em conjunto e sem hierarquias internas.  Excetuando-se os intricados debat...

Frígida Dama

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Moça de neve, nosso amor é tão leve! Tua presença encanta, mas o gelo é de santa. Olhos como o oceano: tão misteriosos que me deixam insano. Eis que meu navio soçobra envolvido pelo aperto da cobra. No mar, o frio cortante. Aceito meu destino hesitante. Onde mora a desconfiança, padece a esperança. Todavia, chega o resgate vindo em fogo escarlate. Mostra tua cara, criatura! A vida pode ser ventura! Singra as águas com teu lume; desbrava a dúvida negrume. Com efeito, é com a chama que se conquista a frígida dama.

O que é o amor?

Ah, o amor! Esse fenômeno tão antigo quanto a vida na Terra; assim dizem biólogos e poetas. Estes, ao longo da história, decantaram-no em canções eternas e em elegias desertas. Aqueles viram-no em tubos de ensaio: nada além de uma explosão hormonal. Nosso senso-comum, formado em décadas recentes, o tem como mero sentimento de interesse, afeição, libido. Não se nega, porém, sua ambiguidade. É júbilo e dor; é vaidade e humilhação. É tudo e nada, ao mesmo tempo. Contudo, o verdadeiro amor transcende a singela emoção: é ação. O verdadeiro amor é um ato de vontade com fundo moral. O verdadeiro amor é o comportamento íntegro em face dos infortúnios do mundo. É o desafio que embaraça o próprio Mal. É a postura de força, autoridade e sacrifício. É a atitude arquetípica do homem perfeito. O que é o amor, senão a nossa parcela divina? 

Resumo: 12 Regras para a Vida

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Um Antídoto para o Caos O livro tem como problema geral a discussão acerca dos rumos da cultura ocidental: por um lado, como evitar o conflito eterno entre sistemas de valores e, por outro, o niilismo social irresponsável (p. XXXIII da Introdução)? Segundo Peterson, a resposta se daria através do desenvolvimento do indivíduo e de sua responsabilidade individual e coletiva: o aprimoramento do “Ser”. É a tarefa primordial de toda pessoa quando está perante o mundo e seu sofrimento. Em tempos nos quais os jovens aprendem que o valor da tolerância é o único aceitável e a moral é considerada opressora – considerações puramente ideológicas e simplistas – Peterson resgata a tradição humana obtida ao longo de séculos para mostrar o que é virtude, visando, assim, remediar a difusão do desespero e do conflito.  Relembre as regras utilizando o próprio corpo Lista de regras: 1. Costas eretas, ombros para trás. 2. Cuide de si mesmo como cuidaria de alguém so...

Resenha: O Povo contra a Democracia

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Leia com cautela O Povo contra a Democracia é o terceiro livro de um dos autores mais aclamados pelo “mainstream” midiático no momento, Yascha Mounk. Doutor em Harvard e professor da John Hopkins, Mounk de fato alia rigor acadêmico a um verniz de honestidade intelectual para tentar explicar a nova dinâmica política que ocorre hoje no Ocidente.  Sua principal tese é a de que a democracia liberal vem se desconsolidando nas últimas décadas. Refutando o antigo consenso de estabilidade dos regimes democráticos, o autor demonstra que os atuais movimentos políticos estão tendentes a assumir posturas extremistas. O resultado seria a degeneração do regime democrático-liberal em dois outros intermediários no caminho até o autoritarismo: a democracia iliberal e o liberalismo antidemocrático.  O autor assume a hipótese de que as condições nas quais a democracia liberal vicejou não estão mais presentes, quais sejam, a homogeneidade étnica, o crescimento econômico contínuo e o...

O Fim do Brasil

Devo desculpas aos otimistas, mas a chamada do texto é exatamente a forma como eu penso. O espírito de nossa época está carregado de desesperança e por diversas razões. Não vou gastar linhas com palavreado intelectual; basta dizer que a percepção comum é a de que caminhamos para o caos. O Ocidente está perdendo suas bases estruturais. As pessoas ressentem-se a todo momento. As redes (anti)sociais inflam os ânimos. No Brasil, isso se torna verdade quando se acompanha o noticiário político. Pode-se culpar quem quer que seja. Pode-se esbravejar contra seus adversários, contra a outra bolha da qual você não faz parte. Nada disso lhe ajudará enquanto pessoa nem ajudará a comunidade no todo. Somente aqueles que conseguem se situar acima dessas paixões entendem o verdadeiro desespero: um país que cambaleia para o abismo. O ódio brota a cada esquina. O diálogo se mostra inviável. No cenário mais amplo, questões importantes são deixadas de lado pelo apego ao poder, à vingança, à ideologia cega...

Dia D

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"Os impérios do futuro serão os impérios da mente" (Winston Churchill, 1943) Há exatos setenta e cinco anos, ocorria a maior invasão por mar que o mundo já conheceu. Bravos soldados deram suas vidas para combater o regime e a ideologia nazi-fascista. Venceram. Livraram o Ocidente de uma de suas maiores ameaças. Outra delas permaneceu incólume por décadas. Uns dizem que feneceu. Para mim, isso está longe de acontecer. Os intrépidos soldados, ao pisar nas areias da França, concederam a toda uma geração a liberdade.  Esta, mal agradecida, nutriu (e ainda nutre) devaneios utópicos. Quer a destruição do mundo liberal. Rejeita o fracasso de suas ideias. Contaminou as mentes de seus sucessores com ódio e ressentimento.  Até quando? Não deixemos que a herança dos destemidos homens irreconhecidos seja apagada. Honremo-los. 

Conto: Nero

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NERO A pesada porta de metal se abriu num estrondo. Dela, emergiram dois homens sisudos vestindo jalecos desbotados, ambos portando pranchetas com prontuários e listas. Defronte a eles, longilíneo corredor, branco, rigidamente asseado, fluorescente: um aspecto de hospital, de laboratório; contudo, o odor que emanava do lugar era digno do mais imundo estábulo; os sons, de um zoológico. Lentamente, adentraram-no, ignorando a reinante cacofonia de gritos animalescos. A galeria possuía recorrentes portas gradeadas, as quais permitiam a investigação dos lúridos cativeiros que divisavam. Em cada um, variados espécimes, desde cães, roedores, pequenos répteis até grandes símios. Todos reduzidos às mais abjetas condições. Ali, a tarefa dos humanos de jaleco era inspecionar a miséria animal e submetê-los a sórdidos experimentos. No final da galeria, havia uma câmara indiscutivelmente protegida. Escudada por imponente portão de aço negro, só se entrava em seu vestíbulo porta...

Tudo ou nada

Fomos às ruas. Chamaram-nos de fascistas, de golpistas. Mas aqui estamos. A maioria não entende o que está ocorrendo. Acreditam em narrativas mentirosas ou deixam-se dominar pelos sentimentos de repugnância que o atual governante lhes traz. Uns poucos entendem e querem deliberadamente tirar proveito do caos, da desordem. Contra estes que lutamos. O Presidente Bolsonaro foi eleito porque representava uma resposta ao projeto de sociedade da esquerda. Também, condensava a revolta do cidadão comum contra o sistema de poder vigente, contra as políticas falidas que levaram o país à sua derrocada econômica, fiscal e moral. Vendeu-se a imagem de outsider . Os críticos sérios dizem que foi apenas discurso de campanha, que o candidato já estava integrado ao sistema, haja vista as duas décadas como parlamentar de pequena influência e as estranhas narrativas envolvendo sua família. Não estão de todo errados; todavia, os argumentos não são suficientes para aplacar as reivindicações populares. ...

Poderes irrecorríveis

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No princípio do Século XX, Ruy Barbosa, o maior jurista que este país já teve, enunciava com grande sabedoria: "A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer". De fato, já naquela época, o eminente pensador antevia que uma das formas de se evitar arbítrios dentro do Estado era desconcentrar o poder, inclusive aquele contido na mão dos togados. Depois de mais de cem anos, o pensamento de Ruy Barbosa mantém-se vivo. Embora se possa argumentar que a Nova República trouxe inegáveis avanços civilizatórios, há também diversos retrocessos que não podem mais desvanecer da vista do povo. Um deles diz respeito ao sistema político instaurado quando da redemocratização. Dentre todas as críticas que sofre, uma frequentemente passa desapercebida: a falta de controle que se exerce sobre o Poder Judiciário.  Cada juiz, em si mesmo, é uma mini república, repleta de garantias institucionais, financeiras e políticas. Antes assim que um Judic...

Conto: Vocação

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VOCAÇÃO Fumava ostensivamente na rua repleta de transeuntes do centro da cidade. Desviando dos passantes, tossia com frequência, uma expectoração curta e escarrada que, para um observador atento, parecia ser sintoma de alguma perturbação interna. Meneava a cabeça em reprovação, andava em círculos, as mãos agitadas com o cigarro. Terminado-o depois de breves minutos, deu um peteleco no toco incandescente e retornou ao trabalho, subindo as escadas empoeiradas do prédio à sua frente.  Após alguns lances, já estava exausto. Os pulmões, doentes por causa do fumo, não suportavam aquele suplício. "Maldito seja esse elevador estragado!", rugiu em sua mente perturbada. Chegou finalmente ao quarto andar, transpirando e cheirando a nicotina. Passou direto pela recepcionista sem falar coisa alguma e voltou ao cubículo onde realizava os afazeres diários. Mal havia se instalado, começou a batucar na mesa com uma caneta, nervoso. Não sabia direito o que fazia em meio a pilhas d...