O país das crianças

Mais uma coluna magnífica de Fernando Schüler. Alguns trechos:

“Eu tenho medo”, disse Bárbara, a youtuber, em uma audiência no Congresso, semana passada. Ela é a “dona de casa que virou ativista”, na onda digital. Diz o que pensa, com um toque de humor, e conseguiu uma incrível audiência. Sua história é a crônica do transe brasileiro. A comunicadora “desmonetizada”, “banida”, “investigada”, num jogo de gato e rato que jamais faria sentido em uma cultura minimamente liberal e democrática. 

O transe brasileiro vai além. Leio que a Justiça de São Paulo mandou banir um humorista, o Léo Lins. Mandou tirar seus vídeos e proibiu qualquer piada sobre “toda minoria ou grupo vulnerável”. Se isso vingar, já temos a nova “lei do humor” no país. Logo vamos precisar de fiscais da piada, para saber se alguém passou do ponto, ou de um “disk piada”, para denúncias anônimas sobre humoristas fora da lei. De minha parte, que passei a vida escutando piadas de gaúcho, agradeço. Só não sei se gaúcho merece ser protegido. Minha opinião é que não, mas prefiro não perguntar. (…) 

É irresistível pensar que tudo isso diz respeito a essa “nossa mania de achar que a sociedade precisa de tutela”, como dizia o grande jornalista Clóvis Rossi. Democracias liberais rejeitam a ideia do Estado tutor precisamente porque optam por tratar os cidadãos como pessoas adultas. Isso não é uma trivialidade nem algo que possa ser “provado”. É essencialmente um modo de consideração. Tomar o cidadão não como uma besta incapaz de pensar e fazer suas escolhas, mas como sendo ele mesmo o curador da sociedade. Não o “cidadão comum”, incapaz de lidar com a “desordem informacional”, como lemos na decisão de um ministro, à época eleitoral. Há aí uma escolha existencial. Se de fato desejamos um Brasil pautado pela ideia difusa do cidadão hipossuficiente. O cidadão que precisa do Estado guardião da moral, regulador de piadas, protetor das distorções no debate público, além de infernizar o tempo todo a vida de uma “dona de casa youtuber”. A mesma lógica que diz não termos cabeça para decidir votar ou não votar, pagar ou não um sindicato ou escolher a escola dos filhos no ensino público. Lógica que, como bem sacou Clóvis Rossi, um dia foi nossa mania, mas cada vez mais é obsessão.”

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