Finlândia

 Por Gustavo Bertoche


O projeto educacional finlandês é o exato oposto do brasileiro.

No Brasil, os "especialistas" querem que as crianças fiquem mais tempo nas escolas, com mais deveres de casa, com um currículo enorme, sem sentido e engessado.
 
Na Finlândia, o desafio é outro: é deixar as crianças o menor tempo possível na escola, somente a partir dos sete anos, sem um currículo nacional, praticamente sem dever de casa, sem provas, sem vestibular; cada professor (há somente um por turma!) prepara o currículo específico adequado àqueles alunos e àquelas circunstâncias sociais.

Os professores finlandeses são muito bem pagos; a Finlândia sabe que a educação de qualidade é necessariamente cara, e que educação barata é fraude. Quem não tem no mínimo um mestrado em Ciências da Educação não pode nem pensar em concorrer às vagas do magistério – que são disputadíssimas.

Por aqui, os nossos professores recebem salários de fome. Não têm sequer como comprar livros. A conseqüência: a carreira do magistério é desvalorizada; os jovens que acabam caindo nas Licenciaturas e na Pedagogia são, quase sempre, aqueles com a pior formação intelectual, acadêmica e cultural possível; o abismo social que nos divide é engendrado desde a nossa infância, com escolas ruins para as crianças ricas e escolas tenebrosas para as crianças pobres.

O resultado disso tudo: a Finlândia tem um dos melhores sistemas educacionais do mundo; nós, um dos piores. O jovem egresso das escolas finlandesas – sem currículo nacional, sem dever de casa, sem provas – está muitíssimo preparado para os desafios do século XXI; o jovem que sai da nossa escola, a despeito de ter estudado sob um dos currículos mais extensos do mundo, não sabe nem escrever direito.

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Conheço muitos professores que, na hora do voto, são radicais - mas na hora da discussão sobre a Educação, são extremamente conservadores. Por desconhecerem a imensa variedade de modelos educacionais criados na história, por ignorarem a pluralidade de sistemas pedagógicos que atualmente há no mundo, esses professores naturalizam o sistema brasileiro – o único que conhecem... – e tornam-se refratários à idéia de uma radical revolução na nossa escola.

Diante de idéias como as que aqui são expostas, dizem: “Ah, mas as condições na Finlândia são diferentes. Não podemos adaptar aqui o que foi feito lá; não daria certo”.

A essa crítica conservadora, é preciso lembrá-los de que as mulheres e os homens finlandeses nada têm de especial em relação às mulheres e aos homens brasileiros; somos todos humanos, com as mesmas qualidades e defeitos, e se eles podem ter uma escola excelente lá, nada impede que tenhamos uma escola excelente aqui, adaptada às nossas circunstâncias.

E é preciso lembrá-los também de que não é a sociedade finlandesa que permite a existência da escola que eles têm - é bem o contrário. Afinal, não é a sociedade que molda a escola: é a escola que molda a sociedade. Por isso, não há sentido em querer primeiro mudar a sociedade brasileira, para depois termos uma escola de padrão finlandês: a ordem das transformações se dá no sentido contrário. Se queremos florescer como civilização, se queremos encontrar o nosso lugar na História, precisamos, antes, criar uma escola verdadeira e radicalmente educadora.
 
Ou continuaremos com o nosso lugar de bobos-alegres do mundo, o lugar de um povo inculto e pobre na terra mais rica do planeta, celebrando os trocados recebidos com a exportação das nossas riquezas para o desenvolvimento das outras nações, como fazemos desde o século XVI.

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