Conto: Encontro com Negroni


ENCONTRO COM NEGRONI


Andava de um lado para o outro dentro do pequeno quarto. Estava impaciente. Não aguentava mais a espera e, por isso, abriu um maço de cigarros de palha. Foi até a cozinha e acendeu um deles no fogão. Deu um trago e soprou a fumaça na janela, enquanto olhava o movimento lá embaixo. Um nome não saía da sua cabeça: "Negroni".

Ouviu a porta sendo destrancada. Era sua mãe:

- Fumando de novo, Daniel?! Apaga logo essa merda! Da próxima vez te expulso daqui!

Como era de seu costume, Daniel não disse coisa alguma, apenas mirou a velha com um olhar vazio, caminhou até seus aposentos e trancou-se. Enquanto esperava o cair da noite, fumou o restante do cigarro no banheiro. Às oito em ponto, vestiu seu casaco e saiu.

Encontrou seus amigos no posto da esquina. Pouco falava, mas isso não os surpreendia. Daniel era conhecido por seu comportamento errático e raciocínio confuso. Momentos de silêncio geralmente eram intercalados com alguns de grande agitação. Portanto, vindo de Daniel, tudo era possível.

Nesta ocasião em especial, no entanto, a atenção de Daniel vertia para um tal de "Negroni". Comentou esse nome com os companheiros, mas eles pouco se importaram. Achavam que era mais um de seus amigos virtuais que ele ocasionalmente conhecia em fóruns online. Não era o caso, mas Daniel não mencionou mais o nome até chegarem no inferninho do centro da cidade.

Descendo os degraus da estreita escada, emborcaram num ambiente escuro, esfumaçado e repleto de gente, cuja música, desconhecida para Daniel, parecia estourar seus miolos. Sedento, correu até o bar, acotovelando-se em meio ao público. Lá, gritou com o atendente, um mulato forte e corpulento:

- Negroni!

Negroni é o nome de um drinque italiano, feito com vermute e gin. Daniel havia tomado um destes na semana anterior e, tendo gostado muito, decidiu repetir a dose naquele dia, achando, ingenuamente, que naquele local seria-lhe servido. Era de seu feitio tais compulsões: quando punha uma ideia na cabeça, por mais estúpida que fosse, não tinha escrúpulos. Sendo um vagabundo, que não fazia coisa alguma além de se embriagar, o álcool era a maior dessas compulsões.

Entretanto, o barman não havia entendido o pedido por causa da música alta. Daniel, então, gritou mais alto ainda: NEGRONI! Só que, para seu desespero, o mulato abriu as mãos, como se novamente não houvesse compreendido. De fato, naquela casa não se servia tal drinque e ele sequer o conhecia.

- NEGRONI! NEGRONI! NE-GRO-NI! - Daniel, agora, berrava, assustando as pessoas ao redor. Implicou com o tal do Negroni e achava que o barman não havia captado seu pedido, por isso a veemência.

O atendente, incrédulo, entendeu aquilo como uma ofensa. A música alta atrapalhava o entendimento, mas aquele sujeito berrando "Negroni" a poucos centímetros do seu rosto, com o dedo em riste, mais lhe parecia uma injúria das mais sujas e racistas.

- Quebro tua cara, seu "branconi" de bosta!

Num salto, atravessou o balcão e caiu por cima de Daniel, que foi pego de surpresa. Não teve a mínima chance contra o massivo barman e, em segundos, foi ao chão, desacordado por conta dos murros que tomou, os quais mais pareciam marretadas.

Depois daquele dia, o referido barman ficou conhecido como "Negroni". Daniel, por sua vez, perdera dois dentes, bem como a ingenuidade típica de adolescente de trinta anos.

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