Resenha: Um Cântico Para Leibowitz

“Será que não temos escolha a não ser bancar a fênix e repetir sua interminável sequência de ascensões e quedas?”.


Esta é a reflexão primordial da interessantíssima obra de Walter M. Miller Jr., ganhadora do Prêmio Hugo de 1961. Estaria a humanidade para sempre condenada a incorrer nos mesmos erros, desde que desceu do Éden e construiu sua morada na Terra? Por que Cesar e seus seguidores perverteram a obra de Deus e criaram a sua própria, fadada eternamente ao fracasso?

“Minimizar o sofrimento e maximizar a segurança eram os propósitos naturais e adequados da sociedade de Cesar. Mas, depois, tornaram-se os únicos propósitos, de algum modo, e a única base da lei... uma verdadeira perversão. Inevitavelmente, portanto, ao buscá-los, encontramos somente seus opostos: o máximo sofrimento e uma segurança mínima”.

Tais questões tem como pano de fundo o futuro distópico, pós-holocausto nuclear, vivido pelos monges da Ordem de São Leibowitz, os quais mantiveram o ideal de seu fundador ao longo dos séculos: preservar o conhecimento humano após o ocaso da civilização no Século XX. Para eles, pouco importava que o significado houvesse se perdido em meio às areias do tempo. Sua missão de vida era salvaguardar as relíquias de uma era esquecida, para que a nova cultura que emergia das cinzas pudesse encontrar novamente o logos natural, divino. Contudo, quanto mais a humanidade conhecia do mundo, mais se afastava dos planos de Deus, incorrendo novamente em carnificina, aniquilação mútua e decadência.

“Pois, naqueles tempos, o Senhor Deus tinha incutido nos sábios o conhecimento dos meios pelos quais o próprio mundo poderia ser destruído...”.

De clara inspiração agostiniana, o enredo é palco para diversas dicotomias inerentes à vida: o maniqueísmo existente entre a Cidade dos Homens, norteada pelo apego ao poder, à luxúria, à carne, e a Cidade de Deus, local do bem, da humildade e dos valores eternos. A natureza corrompida do homem, que ingeriu o fruto proibido do conhecimento, e sua vontade de retornar ao paraíso, mesmo que através da força. A contradição entre ciência e fé, progresso e ética. A natureza das leis e do Estado, que se distanciaram da moral e dos valores mais elementares.

As referências a tais tópicos ao longo da obra são vastas. Empregando variadas alegorias, bem como diversas passagens ligadas à tradição católica (geralmente em latim), Miller constrói uma narrativa densa, maçante, arrastada. Afinal, ao cobrir quase dois mil anos de história, procurou-se atribuir efeito literário compatível. As reflexões são profundas. Os personagens, cada qual à sua maneira, são acometidos por longas elucubrações sobre os atos dos homens de seu tempo, sempre sob o foco da moral e ética cristãs. E, longe de ser didático, o autor espera que seus leitores tenham o conhecimento preexistente para pescar essas referências. Por isso, muitas passagens e histórias podem parecer obscuras, tais como o papel do velho peregrino imortal; a consciência do poeta; a pureza da gêmea siamesa da Sra. Grales, dentre outras.

Enfim, uma obra realmente diferenciada daquelas do mesmo período, em que imperava a temática apocalíptica da Guerra Fria. Digna de estudos e de reflexões adicionais por parte do leitor, é, por isso mesmo, instigante e transformadora.


“Mas houve naquele tempo um homem cujo nome era Leibowitz, que, em sua juventude, assim como Santo Agostinho, tinha amado o saber do mundo mais do que o saber de Deus. Agora, porém, vendo que o grande conhecimento, embora bom, não havia salvado o mundo, voltou-se em penitência para o Senhor, chorando”.


Livro: Um Cântico para Leibowitz
Autor: Walter M. Miller Jr.
Editora: Aleph
Edição: 1ª, 2014
Idioma: Português Brasileiro
Nota: 4/5

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