Resenha: 21 lições para o século 21

O sombrio futuro da humanidade (ou mais um conto niilista)


Yuval Noah Harari nos impressiona mais uma vez com seu novo livro. Se nas obras anteriores o autor tratou de esquadrinhar o passado e delinear as tendências do futuro, nesta Harari se ocupa do presente e enumera os desafios da humanidade para as próximas décadas.


O cenário não poderia ser mais sombrio. Didaticamente, Harari explica que o mundo do Século XXI caminha para a superação (um eufemismo para o completo colapso) das democracias liberais, não tanto por uma problemática externa, como foi no século passado, mas por conta da disrupção tecnológica constante no campo das ciências informacionais e biológicas e da própria incapacidade humana de gerir problemas em larga escala. 

Parece enredo de ficção científica? Sim, mas tal fato está mais próximo do que pensamos, como demonstra o autor. As democracias liberais provavelmente serão solapadas por essa disrupção tecnológica que pode produzir massas de humanos irrelevantes dominados por algoritmos muito mais inteligentes. Quer um exemplo prático de tal hipótese? Basta ver a quantidade de trabalhadores de baixa qualificação que agora concorrem não com outros humanos, mas com a inteligência artificial (caixas de supermercado, operários e motoristas, para ilustrar). Veja, também, a nossa dependência atual dos smartphones e dos mecanismos de pesquisa como o Google, os quais devem conhecer muito mais acerca das pessoas que elas próprias. Entramos na era dos dados, onde informação é poder. Tais dados coletados pelos algoritmos inteligentes valem bilhões e podem ser explorados não só por corporações inescrupulosas, mas também por governos autoritários que pretendem manipular a opinião pública. Isto já ocorre, como ficou evidenciado pelas recentes eleições em países democráticos do mundo liberal.

O grande problema desse cenário é que nenhuma cultura alternativa emergiu para suplantar o decadente liberalismo. Pelo contrário, vê-se o apego das massas a antigas tradições, como o nacionalismo, que não oferecem soluções viáveis para a nova questão global da disrupção tecnológica, tampouco para problemáticas nem tão novas como a degradação ambiental, a imigração e a possibilidade de um desastre nuclear. Pior, o nacionalismo, as religiões tradicionais, e ideologias falidas possivelmente alimentam o colapso iminente. Portanto, a maior lição extraída do livro é a de que a humanidade está fracassando no intuito de criar uma cultura global que possa lidar com esses problemas globais. Os valores da liberdade e da tolerância, bem como a crença suprema no indivíduo, constantes nas democracias liberais, estão se provando limitados. É a completa falência do projeto moderno e das antigas narrativas que sustentavam o gênero humano, diante do mundo fluido de agora.

Harari expõe cada faceta desse iminente fracasso nas suas 21 lições, bem como assinala propostas gerais e individuais para lidar com o contexto. O autor discorre, por exemplo, sobre a viabilidade da criação de uma comunidade global, que possa estabelecer políticas de longo alcance (uma delas é a chamada "renda básica universal", que poderia mitigar os efeitos de um mundo em que o trabalho humano não é mais tão importante). Explora, também, tópicos como a desigualdade insuperável que possivelmente será gerada pelas novas tecnologias; a discriminação pelo que chama de "culturismo" (a crença de que há culturas melhores do que outras - o que pode fazer sentido em determinadas situações); o papel do terrorismo na criação de narrativas destrutivas; a própria natureza da cultura humana, altamente sugestionada pela nossa ignorância individual e coletiva, incapaz de pensar para além da ficção, do mito e das falsas narrativas. Finalmente, discute com o leitor temas mais íntimos de ordem pessoal, mas que podem influenciar nossa visão enquanto comunidade, como a noção de justiça, moral e humildade.

Mesmo não concordando com Harari, deve-se admitir que seu raciocínio é bastante honesto e digno de cientista. Enquanto muitos se agarram a narrativas políticas contraditórias e apaixonadas, emitindo, por isso, julgamentos imprecisos, Yuval não exita em verificar profundamente o binômio teoria e prática, a partir de amplo estudo das evidências disponíveis. Contudo, este mesmo raciocínio pode parecer excessivamente paranoico (no tocante à disrupção tecnológica) e, também, niilista. O autor rejeita as diversas tradições humanas, especialmente no campo ético-moral (sua noção de moral é um tanto primária, mas não cabe discuti-la aqui). Chega-se à conclusão, ao final do livro, de que o ser humano é apenas um contador de histórias fajutas, tanto individuais quanto coletivas, e que precisamente esta caraterística será sua ruína. Ou seja, segundo o autor, os sapiens não passam de um mero algoritmo ultrapassado que se esforça em criar narrativas mentirosas para dar significado ao mundo.

Seria Yuval um dataísta? Quem leu "Homo Deus" pode ter essa impressão.



Livro: 21 lições para o Século 21
Autor: Yuval Noah Harari
Editora: Companhia das Letras
Edição: 1ª, 2018
Idioma: Português Brasileiro
Nota: 3/5


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