A falácia do determinismo e a natureza da cultura humana

Teorias como a do materialismo histórico simplesmente estão equivocadas


Qualquer construção teórica que pretende explicar a história e a cultura por vias deterministas está fadada ao fracasso, à incoerência e à injustiça. Por que? Yuval Noah Harari, doutor em história por Oxford e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, apresenta a resposta em seu livro "Sapiens". Em poucas linhas, refuta as ideologias que surgiram de tal visão determinista. In verbis:

O determinismo é atraente porque implica que nosso mundo e nossas crenças são um produto natural e inevitável da história. [...] Reconhecer que a história não é determinista é reconhecer que não passa de uma coincidência o fato de que a maioria das pessoas, hoje em dia, acredita em nacionalismo, capitalismo e direitos humanos. 
A história não pode ser explicada de forma determinista e não pode ser prevista porque é caótica. Tantas forças estão em ação, e suas interações são tão complexas, que variações extremamente pequenas na intensidade dessas forças e na maneira com que interagem produzem diferenças gigantescas no resultado (página 251).

O mesmo autor ainda apresenta que história pode ser conceituada como um sistema caótico de nível dois, o que significa que quaisquer previsões a seu respeito reagem e relacionam com o objeto de previsão, e, por isto, os prognósticos a respeito são demasiado imprecisos. Ou seja, é difícil explicar as escolhas e rumos tomados ao longo da história, visto que as variáveis são complexas e quase infinitas, além de alterarem a própria percepção do sujeito. Qualquer forma de determinismo, portanto, é uma redução brutal e desonesta de um sistema caótico, complexo e imprevisível.

Conforme Harari expressa, se há uma hipótese válida da história, para além do enlace dessas variáveis complexas, é a de que o desenvolvimento da cultura não atua em benefício da humanidade, muito menos dos indivíduos tomados por si mesmos. Não há evidência de que as culturas bem-sucedidas são aquelas que mais beneficiaram o Homo sapiens.

Explica-se: primeiramente, a noção de "bem" e de "mal" varia entre as diversas culturas e, portanto, é impossível instituir uma escala objetiva que defina o que seria benéfico aos humanos de forma geral. Ademais, e mais importante, a cultura é demasiado complexa e encontra meios de propagação que desconsideram a felicidade geral. Por isso mesmo, pode ser parodiada como uma doença que se espalha de forma similar a um vírus: infecta o hospedeiro, enfraquece-o, espalha suas cepas e, por fim, pode vir a matá-lo. Deste modo, as culturas são "parasitas mentais" que apenas visam espalhar sua informação e suas ideias, os "memes" (uma analogia da evolução biológica por meio dos genes).

A abordagem memética considera que o sucesso de uma cultura se dá a partir de sua capacidade de espalhar seus memes, independentemente de uma análise objetiva dos custos e benefícios gerados aos indivíduos. Assim, a história, tal qual a evolução darwiniana, não considera a felicidade de organismos individuais, e, ao contrário do que muitos pretendem afirmar, não há qualquer direcionamento explícito das culturas por uma "lei natural". Acontecimentos históricos aleatórios geram outras forças aleatórias que movimentam a cultura e seus memes, sem que os indivíduos sozinhos possam influenciar o seu curso em benefício próprio. Daí a falácia do determinismo e de todas as teorias que têm como base uma explicação determinista da história.

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