Caixa de som

Por Alex da Matta


Se o sujeito que coloca som alto na praia tivesse um mínimo de reflexão, pensaria:


"Isso pode incomodar quem não gosta. Se eu estivesse no lugar dessas pessoas, iria querer que desligassem a caixa de som. Logo, mesmo gostando de barulho, deveria me abster disso em respeito aos outros."

E então, desligaria a caixa.

Mas isso exige três coisas que nem todo mundo tem: capacidade de abstração (se colocar no lugar do outro), ideia de universalidade (o que espero dos outros também deve valer para mim) e algum senso de dever (fazer o que é certo, independentemente do gosto pessoal ou das consequências).

Se a pessoa é burra, não chega a essa conclusão. Se age como um animal, buscando apenas prazer e evitando dor sem qualquer consideração moral, também não. E como há muita gente burra e/ou imoral, a sociedade precisa criar leis, gastar recursos e mobilizar fiscais para punir algo que não deveria sequer existir.

O pensamento tribal está entre nós desde sempre. No passado, o cara do som alto na praia estaria matando e morrendo em guerras inúteis entre clãs. Hoje, talvez esteja brigando em torcidas organizadas ou se dedicando a outras atividades imbecis e socialmente danosas. A raiz é a mesma: incapacidade de se colocar no lugar do próximo e ausência de princípios universais sobre certo e errado.

Foi justamente suprimir esses impulsos que permitiu o regime de liberdade que conhecemos no Ocidente. Durante a maior parte da história humana, seria impensável uma constituição que nos igualasse em direitos e impusesse deveres a todos, inclusive aos governantes. E não há dúvida de que a ideia cristã de "amar o próximo como a ti mesmo" ajudou essa inovação a surgir primeiro no Ocidente. Mas a lei é apenas uma peça no grande mecanismo que molda o comportamento humano.

O verdadeiro desafio é cultivar esses valores em vez do tribalismo. Ainda mais em um país com baixíssima confiança interpessoal, instituições corrompidas e um nível de comportamento antissocial que, em vez de ser combatido, é tratado como parte "do jogo". Agir corretamente porque o certo é certo e o errado é errado deveria ser exaltado em nossa cultura, na arte e no pensamento intelectual.

Mas não é. Ao contrário, reforçamos o que há de pior. E a autoindulgência nojenta impede até mesmo que o problema cultural seja reconhecido e apontado.

Agora me diga: qual a chance de uma sociedade assim se desenvolver? Muito pequena.

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