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Mostrando postagens de fevereiro, 2023

Consenso científico

 Por Gustavo Bertoche Em 2015, Richard Horton, editor-chefe do Lancet – possivelmente o mais importante jornal científico de medicina no mundo –, declarou acreditar que "talvez metade" das pesquisas científicas publicadas em periódicos sejam fraudulentas. (Nada indica que as coisas tenham melhorado de 2015 para cá). Escreveu Dr. Horton: "O caso contra a ciência é simples: grande parte da literatura científica, talvez metade dela, pode simplesmente ser falsa. Atingida por estudos com amostras pequenas demais, efeitos minúsculos, análises exploratórias inválidas e evidentes confllitos de interesses, juntamente com uma obsessão por seguir tendências da moda – de importância duvidosa –, a ciência deu uma guinada na direção das trevas. Como um participante afirmou, 'métodos ruins geram resultados'. A Academy of Medical Sciences, o Medical Research Council e o Biotechnology and Biological Sciences Research Council colocaram a sua reputação em questão diante de uma inve...

Isso é democracia?

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Populistas enfraquecem instituições importantes para o crescimento

Por Marcos Mendes A pandemia de Covid deu a Bolsonaro a chance de unir o país e reduzir a polarização política pós-eleição de 2018. O vírus era um inimigo comum, a ser enfrentado por todos, a despeito de preferências políticas. Para minimizar o estrago, o governo trabalharia a favor das normas de prevenção, compra de vacinas e solidariedade de todos com os mais atingidos. Bolsonaro preferiu, contudo, aprofundar o conflito, com o comportamento repulsivo que multiplicou mortos. O golpismo que invadiu palácios no dia 8 de janeiro deu a Lula a chance de reduzir a polarização política pós-eleição de 2022. A rejeição maciça ao vandalismo foi a deixa para que ele reunisse as forças democráticas e desse início a um governo de coalizão, moderado na economia e de reconstrução das áreas desmontadas por Bolsonaro. Lula preferiu, contudo, aprofundar o conflito, com um discurso raivoso contra a estabilidade fiscal e o Banco Central, instigando conflitos sociais. Bolsonaro quis reescrever a história,...

Contra a democracia liberal

Por Francisco Razzo Os progressistas se apropriam de certas expressões a fim de controlar toda narrativa política no espaço do debate público. Se você não defende a agenda identitária progressista, você só pode ser uma grave ameaça à democracia liberal. O pressuposto é simples: supor que a única forma legítima de democracia é a defendida pelos atuais progressistas identitários. A destruição da democracia como espaço da cidadania ativa começa, justamente, pelo controle e deturpação da linguagem. Docilmente, o autoritarismo se disfarça numa forma domesticada de democracia. Mas gostaria, primeiro, de definir alguns termos para não cair nos mesmos equívocos de controle da linguagem aqui denunciado. O que entendo por “progressista” no contexto desta discussão? Historicamente, o próprio liberal. O liberal parte do pressuposto de que o polo privilegiado de poder é a experiência subjetiva. A construção e a manutenção de sua identidade determinam o centro gravitacional de toda experiência polít...

Fim da civilização

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Por Leandro Ruschel Um terço das estudantes secundaristas americanas já pensaram seriamente em cometer suicídio, diz estudo do CDC. O CDC revelou o resultado de uma pesquisa feita com estudantes de segundo grau, identificando que 57% das meninas apresentam sentimento persistente de tristeza e desesperança. 30% das entrevistadas afirmaram ter avaliado seriamente a possibilidade de cometer suicídio! Em 2011, os números eram de 36% e 19%, respectivamente. Já 29% dos meninos reportaram o mesmo sentimento de tristeza e desesperança, enquanto 14% pensaram em suicídio. O que está acontecendo?  Além do aumento explosivo dos casos de depressão e suicídio nos últimos anos, há um crescimento brutal numa outra espécie de suicídio, que é a morte provocada por overdose de drogas pesadas, como opioides. Em 2021, foram 106 mil mortes por overdoses, recorde histórico, mais que dobrando as 40 mil mortes em 2011.  Há uma série de fatores que tem provocado a deterioração da saúde mental da popula...

A omissão perpetua a exceção

Editorial da Gazeta do Povo Se um grupo de brasileiros quiser se reunir para protestar contra o presidente Lula em local público, aberto, de forma pacífica, sem armas e sem incitação a crimes como golpes de Estado, tendo previamente avisado as autoridades e cumprido todos os demais requisitos eventualmente exigidos por regulamentos locais (existentes quando se trata, por exemplo, de ocupar uma via importante de determinada cidade), poderá fazê-lo? E se o objetivo da manifestação for protestar contra desmandos do Supremo Tribunal Federal – novamente, de forma pacífica e sem pedidos descabidos como os de fechamento da corte? E para comemorar uma conquista futebolística? Em outros tempos, a resposta a tal pergunta seria um óbvio “sim”; mas, infelizmente, nos tempos que correm o fato é que ninguém pode dizer com total certeza se o direito constitucional à reunião ainda vigora no Brasil. A mera existência dessa dúvida mostra que o país está vivendo uma situação completamente anômala em term...

Nas baladas da vida

Por Flávio Gordon “Finda a luta, quando, sedento, esfomeado, exausto, por causa do furor com que lutara, apoiado me achava em minha espada, chegou-se-me um senhor mui bem vestido, tão guapo quanto um noivo, a barba feita como campo de sega após a festa (...) Louco me deixava vê-lo assim tão casquilho e perfumado, a falar, tal qual uma camareira, de tiros de canhão, tambor e golpes” (Shakespeare, Henrique IV, Parte I, Ato I, Cena III) *** Mesmo após o início do novo regime no país, continua azeitado o mecanismo de “cancelamento” de artistas de algum modo associados ao candidato derrotado Jair Bolsonaro. Não passa um dia sem que, por exemplo, algum representante do “consórcio” de propaganda, difamação e guerra psicológica – daquilo que, enfim, costumava se chamar imprensa – não dedique manchetes maledicentes contra Regina Duarte ou Cássia Kiss, permanentemente acusadas do “crime” de bolsonarismo. Sim, no país em que o beautiful people dos estúdios e redações estendem o tapete vermelho pa...

Burocracia

Por Luiz Felipe Pondé Kafka e suas profecias sobre o mundo nascente da burocracia moderna são conhecidas. Burocracia é um sistema criado para, supostamente, servir as pessoas, mas, que, na verdade, existe para proteger o Estado e as empresas das pessoas. A função primária da burocracia é fazer você invisível e irrelevante. E fazer daqueles que tem poder sobre você, inacessíveis e inimputáveis. Processos que caem na sua cama, burocratas de um castelo que ninguém alcança, execuções sem justificativa, mensagens que chegam a lugar nenhum, insetos humanos cujo principal temor é perder o emprego, enfim, o universo kafkiano é caracterizado por personagens que vagam por um mundo que os esmaga, mas com quem eles não podem se comunicar. Faz de você um inseto mudo. Os incautos sempre acharam que a alma da modernidade era o progresso técnico. Não, esse é seu fetiche. Seu verdadeiro coração, o lugar em que ela goza orgasmos infinitos, é a burocracia. Vejamos alguns exemplos de profecias kafkianas r...

Democrático numa era de pré-crime

Por Francisco Razzo Um dos maiores perigos para a democracia é o de presumir, de antemão, que a ameaça à ordem democrática está apenas nos nossos adversários, que as trevas e a maldade emanam tão somente do "outro". Nós? Nem pensar. Somos os verdadeiros democráticos, os verdadeiros guardiões do bem e da ordem, hoje e para sempre. Ora, quem pensa assim esquece alguns elementos fundamentais da condição humana para a vida política: ser consciente de que, para aquém dos meus adversários, eu também sou um potencial agente de injustiça. Saber que a política, para além de toda pretensão de antever o futuro, precisa saber lidar com o imprevisível e que pessoas boas são capazes de cometer as piores atrocidades. Não foi nenhuma coincidência que os totalitários se autocompreendiam como seres imaculados, detentores da única concepção possível de fim da história. Enquanto o “outro”, ou seja, todos aqueles que não rezavam na mesma cartilha ideológica, era considerado o inimigo, o perverso,...