O novo incêndio do Reichstag

 Por Gustavo Bertoche


Daqui de longe vi os acontecimentos do último domingo.

Pessoas adultas, com profissão, com família, decidiram dar um "golpe" e instaurar uma "guerra civil" - a despeito da hostilidade dos meios de comunicação, da indiferença dos militares, da inexistência de uma liderança, da ausência de apoio internacional, da falta de treinamento armado -, baseadas somente no "sentimento", na "crença", na "esperança" de que no momento exato, sem haver nada combinado previamente, os generais surgiriam, como um deus ex machina, e executariam uma ruptura institucional.

A confiança na Providência para a resolução do problema, e a conseqüente decepção quando ficou claro que ninguém apareceria para salvá-los, é reveladora: trata-se de um movimento antes religioso que político - uma comunidade de irmãos conectados pelas redes sociais a uma congregação virtual, na qual todos, ligados a um messianismo de um messias imaginário, diariamente reforçam a própria fé.

É evidente que o surgimento e o crescimento de um movimento com essa natureza - tão voluntarioso quanto despreparado - é a conseqüência da total ignorância da História do mundo e do Brasil. Uma revolução - de direita, de esquerda, não importa - exige o arranjo prévio com quem tem as armas, com algum bloco geopolítico, com parte dos meios de comunicação; não há "guerra civil" sem treinamento militar e sem a organização logística para a sustentação de um conflito por anos; não existe nada disso sem planejamento e hierarquia.

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No Brasil parece que há muita gente "emocionada".

Um grupo de iludidos emocionados, tios e tias do zap, promove um quebra-quebra em Brasília e com isso acredita estar dando início a uma "guerra civil".

E a imprensa emocionada, desejosa de amplificar os fatos e preencher um domingo cuja pauta seria dedicada a obituários, decide que esses tios e tias são "terroristas".

Não, amigos. Nem guerra civil, nem terrorismo: o que vimos foi um suspiro, tão angustiado quanto impotente, de um movimento conservador radical iniciado em 2013 - um suspiro que será tomado pelos nossos novos governantes como a justificativa necessária para censurar, perseguir e prender quem quer que lhes faça oposição.

Aos novos antigos autoritários no poder, esse arremedo de golpe tem um valor extraordinário - um valor semelhante ao do incêndio do Reichstag há noventa anos. Fica aos tios e tias de domingo a lição prática que poderia ter sido aprendida nos livros de História: uma ação política radical desastrada não tem nenhum efeito prático senão o de fortalecer, de vários modos, os seus adversários.

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