A estratégia de Jair Bolsonaro

Chegou-se à derradeira provação da República. O sistema político cunhado em 1988 terá, na crise que ora se passa, o seu maior teste.

O presidente, sempre com sua estratégia beligerante, está isolado. O diálogo com o Congresso foi perdido. Setores da classe média, os quais só votaram em Bolsonaro por aversão à esquerda radical, ressentiram-se de sua patética condução da crise e do escárnio em relação ao vírus. Inúmeras vidas estão em jogo e o pânico assoma. 

Diante disso, o mandatário da cadeira mais importante da República proclamou, em rede nacional, discurso virulento e recriminatório que chocou muita gente. Os gritos de irresponsável e psicopata emanaram das janelas e dos celulares.

No entanto, engana-se quem acredita na sua queda imediata. Bolsonaro tem mais cartas na manga que os incautos podem imaginar. Na verdade, sua aposta foi alta e ele pode sair da crise mais forte ainda.

Surpreso? Então, entenda: o Brasil não tem condições de sustentar um lockdown de grande escala e por longos períodos como os países ricos. O Brasil é pobre. Suas estruturas de seguridade são deficientes. A renda mínima universal que poderia ser oferecida beira os duzentos reais, o que não paga nem cesta básica. Os mais indigentes não sobreviverão sem trabalho.

Portanto, a manutenção do confinamento desgastará a imagem do governo. O presidente e seus correligionários sabem disso. Um impeachment seria bastante provável, inclusive do vice, Hamilton Mourão. Muitos grupos políticos querem empossar aquele que a mídia chamou de "primeiro-ministro": Rodrigo Maia. Assim, o establishment poderia continuar com seus acordos espúrios.

A estratégia de Bolsonaro, então, é a seguinte. Atrair para si o maior eleitorado do Brasil, aqueles que dependem do trabalho para sobreviver: os mais pobres e a classe média baixa. Bolsonaro fala com essas pessoas a todo instante. As elites, sobretudo os intelectuais, vomitam sua aversão e menosprezam esse fato. A eleição de 2018 foi ganha assim. A crise de 2020 pode ser superada da mesma forma.

Um eventual processo de impeachment poderia deflagrar uma crise institucional sem precedentes, talvez com a decretação de estado de sítio ou coisa pior. Bolsonaro teria respaldo do grosso da população. O Congresso teria que sopesar os diversos cenários, assim como prefeitos e governadores, tendo em vista a política de quarentena. Ou se escolhe a morte pelo Covid-19 ou pela escassez econômica e estes últimos poderiam ser responsabilizados, já que o presidente está do lado da abertura. 

É uma estratégia perigosa. Bolsonaro poderá perder o restante do capital político que ainda possui. Ou sair da crise e consagrar-se, haja vista a possibilidade de intensa recuperação econômica no futuro pós-corona. A saber.

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