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Mostrando postagens de janeiro, 2019

Conto: Vocação

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VOCAÇÃO Fumava ostensivamente na rua repleta de transeuntes do centro da cidade. Desviando dos passantes, tossia com frequência, uma expectoração curta e escarrada que, para um observador atento, parecia ser sintoma de alguma perturbação interna. Meneava a cabeça em reprovação, andava em círculos, as mãos agitadas com o cigarro. Terminado-o depois de breves minutos, deu um peteleco no toco incandescente e retornou ao trabalho, subindo as escadas empoeiradas do prédio à sua frente.  Após alguns lances, já estava exausto. Os pulmões, doentes por causa do fumo, não suportavam aquele suplício. "Maldito seja esse elevador estragado!", rugiu em sua mente perturbada. Chegou finalmente ao quarto andar, transpirando e cheirando a nicotina. Passou direto pela recepcionista sem falar coisa alguma e voltou ao cubículo onde realizava os afazeres diários. Mal havia se instalado, começou a batucar na mesa com uma caneta, nervoso. Não sabia direito o que fazia em meio a pilhas d...

Conto: Encontro com Negroni

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ENCONTRO COM NEGRONI Andava de um lado para o outro dentro do pequeno quarto. Estava impaciente. Não aguentava mais a espera e, por isso, abriu um maço de cigarros de palha. Foi até a cozinha e acendeu um deles no fogão. Deu um trago e soprou a fumaça na janela, enquanto olhava o movimento lá embaixo. Um nome não saía da sua cabeça: "Negroni". Ouviu a porta sendo destrancada. Era sua mãe: - Fumando de novo, Daniel?! Apaga logo essa merda! Da próxima vez te expulso daqui! Como era de seu costume, Daniel não disse coisa alguma, apenas mirou a velha com um olhar vazio, caminhou até seus aposentos e trancou-se. Enquanto esperava o cair da noite, fumou o restante do cigarro no banheiro. Às oito em ponto, vestiu seu casaco e saiu. Encontrou seus amigos no posto da esquina. Pouco falava, mas isso não os surpreendia. Daniel era conhecido por seu comportamento errático e raciocínio confuso. Momentos de silêncio geralmente eram intercalados com alguns de grande agitação...

Conto: Incidente no hotel

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INCIDENTE NO HOTEL Era quase meio-dia e, pela vitrine do saguão do hotel, via-se o fluxo intenso de pessoas e automóveis na rua. Prostrado junto ao carrinho de malas, como que não dormisse há vários dias, Rodrigo aguardava uma cliente finalizar os procedimentos de reserva no balcão para que pudessem se deslocar até o quarto. Mais um dia de rotina na vida de Rodrigo, sujeito meio abobado de quase quarenta anos, sem muitas pretensões na vida, e que há bastante tempo trabalhava naquele hotel do centro da cidade. Gostava daquele emprego, não tanto por causa do salário (que era praticamente miserável), mas pela curiosidade doentia que tinha em bisbilhotar a vida alheia. Era quase um "voyeur", que percebia nos outros um refúgio para sua existência atribulada.  Minutos depois, estava no elevador com a hóspede, enquanto sua mente divagava. Como lhe era habitual, fantasiava sobre a vida de cada visitante que chegava no hotel. Não tinha escrúpulos quando imaginava sobre...