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Mostrando postagens de outubro, 2024

As Masmorras de Caladhar

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  AS MASMORRAS DE CALADHAR Kael tentava acompanhar a destreza de Brognar em meio à densa vegetação. Apesar de ter sido criado nos palácios, o príncipe não era apalermado, mas simplesmente não tinha o treinamento de um guarda real. Este seguia por entre os arbustos e cipós, golpeando-os imperturbável com o pesado facão, mesmo quando a penumbra caía sobre eles como uma mortalha sinistra. – Por favor, vamos descansar um pouco! – Sugeriu o nobre, agastado. – Cale-se! Quer atrair atenção?! – Brognar rebateu rispidamente, ignorando o pedido. Kael não estava acostumado com aquele tratamento; porém, respeitava o guia, que o salvara do infortúnio. Era o guarda preferido de seu pai: um leão entocado pronto para defendê-lo de qualquer perigo – e morrer se fosse preciso. O rapaz então continuou a caminhada cabisbaixo, sem que respondesse, escondendo suas queixas infantis. A terra ali era uma massa grudenta de sedimentos, que se agarrava às suas sapatilhas como piche. Cada passo parecia um merg...

STF não passa no seu teste de integridade

Por Conrado Hübner Mendes Se alguém produzisse relatório periódico do colapso ético da conduta de ministros do STF, as últimas semanas não decepcionariam. Os episódios não repercutiram porque a magistocracia, no final, vence pelo cansaço. Se essa é das leis mais estáveis da história do patrimonialismo brasileiro, difícil manter motivação para lutar contra ela. Gilmar Mendes reconduziu, por liminar monocrática, presidente da CBF ao cargo. Há duas semanas, votou pela manutenção da decisão. O IDP, empresa da qual o ministro é sócio, e que organiza encontros político-advocatício-empresariais, gere operação lucrativa da "CBF Academy". Se você fizer curso na "Academy", parte do recurso vai para o IDP. Honrosamente, Barroso e Fux se declararam suspeitos no caso da CBF. Mas Fux, menos honrosamente, ao lado de seu filho advogado, participou do "Forbes Power Dinner", sediado na casa de sócio do "Nelson Wilians Group" em Brasília. Barroso foi ao "II Fó...

Ministros do STF perderam a capacidade de fazer a coisa certa

Por J.R. Guzzo 19/10/2024 O STF joga há mais de cinco anos uma partida que só tem piores momentos, mas ainda assim consegue jogar cada vez pior. É natural. Os ministros perderam a capacidade de fazer qualquer coisa certa, como o organismo vai perdendo a audição ou os glóbulos brancos – e no espaço aberto pela ausência das coisas certas só podem entrar as coisas erradas. Não é que os ministros pensem errado. O problema é que eles não sabem o que é pensar. Num momento em que a integridade do STF está sendo cada vez mais contestada, e se multiplicam as evidências de que o Tribunal se tornou o maior inimigo da democracia no Brasil, o que fazem os ministros? Vão para um piquenique em Roma pago, entre outros, por empresários que confessaram crimes de corrupção ativa. Pior: devolveram dinheiro roubado, e agora o ministroDias Toffoli lhes deu de volta os R$ 10 bilhões que tinham prometido pagar para sair da cadeia. É incesto explícito. As empresas que levam os ministros para passear nas capita...

Capitalismo e cristianismo

Por Olavo de Carvalho.  Artigo publicado originalmente na revista República – edição de dezembro de 1998. Uma tolice notável que circula de boca em boca contra os males do capitalismo é a identificação do capitalista moderno com o usurário medieval, que enriquecia com o empobrecimento alheio. Lugar-comum da retórica socialista, essa ideiazinha foi no entanto criação autêntica daquela entidade que, para o guru supremo Antonio Gramsci, era a inimiga número um da revolução proletária: a Igreja Católica. Desde o século XVIII, e com freqüência obsessivamente crescente ao longo do século XIX, isto é, em plena Revolução Industrial, os papas não cessam de verberar o liberalismo econômico como um regime fundado no egoísmo de poucos que ganham com a miséria de muitos. Mas que os ricos se tornem mais ricos à custa de empobrecer os pobres é coisa que só é possível no quadro de uma economia estática, onde uma quantidade mais ou menos fixa de bens e serviços tem de ser dividida como um bolo de a...

A fórmula para enlouquecer o mundo

Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 11 de junho de 2007 Adam Smith observa que em toda sociedade coexistem dois sistemas morais: um, rigidamente conservador, para os pobres; outro, flexível e permissivo, para os ricos e elegantes. A história confirma abundantemente essa generalização, mas ainda podemos extrair dela muita substância que não existia no tempo de Adam Smith. O que aconteceu foi que o advento da moderna democracia modificou bastante a convivência entre os dois códigos. Primeiro elevou até à classe dominante o moralismo dos pobres: na América do século XIX vemos surgir pela primeira vez na História uma casta de governantes que admitem ser julgados pelas mesmas regras vigentes entre o resto da população. No século seguinte, as proporções se invertem: a permissividade não só se instala de novo entre a classe chique, mas daí desce e contamina o povão. É verdade que não o faz por completo: metade da nação americana ainda se compreende e se julga segundo os preceitos da Bíblia....

Mas Pelé foi melhor do que Maradona

Por Flávio Gordon “Não podemos esperar por outra tragédia mundial, como a Segunda Grande Guerra, para só então construir sobre seus escombros uma nova governança global” – disse Lula na Assembleia Geral da ONU. Na Big Apple, depois dos sucessivos vexames referentes à fala inexistente (caso do desencontro com Joe Biden) e à fala interrompida (caso do microfone cortado na Cúpula do Futuro), o descondenado-em-chefe pôde, finalmente, protagonizar o seu vexame predileto, o da fala realizada, quando desfiou seu rosário habitual de platitudes, vitimismo, autoestereotipia macunaímica e conversa de boteco. Para quem não compreende a mensagem que o mandatário brasileiro quer dizer ao usar o termo “governança global” – um eufemismo globalista para governo mundial –, eu traduzo: entreguismo puro e simples, que consiste em acabar de vez com a soberania brasileira, bem como com qualquer resquício de democracia representativa, e fazer do país uma reles colônia das organizações internacionais. Faço qu...

Não há solução para esse STF que temos aí

Por Paulo Polzonoff Jr. A despeito de um ou outro leitor mal-humorado que sempre me repreende quando abro as comportas da imaginação, pretendia hoje contar a história do sequestro do Twitter por uma quadrilha que atende pelo nome críptico de 19-20-6. Mas aí me lembrei das declarações recentes do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF e personificação da mais repugnante empáfia, e me dei conta de duas coisas. A primeira: o leitor não compreende a importância de registrar, de forma simbólica e literária, todas as ilegalidades que estão sendo cometidas “em defesa da democracia”. Ele não entende que o texto alegórico às vezes é mais eficiente justamente porque a alegoria consegue transpor algumas barreiras que detêm a mensagem de um artigo serião. Ele não percebe o poder de uma crítica feita com humor e isso é uma pena e tal. Mas não é o mais grave. Cara-de-pau O mais grave é que, lendo as inacreditavelmente infames declarações de Barroso,  me dei conta de que não há solução ...